A fé é negra

A fé do negro é muito falada, mas negro tem fé. Um tipo de fé que vai até os ossos, o tipo que te mantém vivo meio a 380 anos de escravidão e que te dá o que é preciso para a luta. Foram inúmeros os africanos que cruzaram o atlântico, de África para o Brasil. Milhões de povos africanos, com religiões diferentes, idiomas diferentes, crenças, valores, cultura. O branco misturava o negro, para impedir que gente do mesmo povo estivesse junto e iniciasse uma revolta. Toda essa bagunça feita pelo colonizador no navio negreiro, fez com que os povos africanos tivessem que reinventar a sua própria identidade. Chegando no Brasil, isso se mostrou mais do que nunca.

Tambozeiros de Nossa Senhora do Rosário de Minas Novas

Foram várias as religiões, as crenças, as espiritualidades misturadas. Desde o culto aos orixás, os deuses que receberam de Olorum a tarefa de governar o mundo que veio com os Iorubás, até os cultos aos vodus que veio junto ao povo Fon. E não foram os únicos, dentre inúmeras formas de fé e deuses diferentes, vieram também africanos muçulmanos de regiões localizadas ao norte do continente.

Um sincretismo religioso é quando elementos diferentes de várias religiões separas se misturas, constituindo assim uma nova forma de fé, um novo conjunto de crenças. Isso foi o que mais aconteceu com a escravidão negra no Brasil, algo que envolveu até mesmo Cristo. Isso mesmo, Jesus Cristo. A Umbanda, sincretismo da mistura de elementos religiosos de povos indígenas, africanos e com o catolicismo, fundamental uma fé que cultua, ao mesmo tempo, os espíritos vivos da floresta, os orixás e o Deus judaico-cristão. Outro exemplo disso, são as irmandades negras: grupos dentro da igreja católica criados pelos negros para preservar os seus rituais fúnebres; gritos de “glória a Deus!” se misturam com atabaque e dança de terreiro dentro das paróquias.

Além do mais, os terreiros, aliás essa palavra “terreiro” é indígena, foram espaços de luta e resistência ao racismo, foram inúmeros os pais e mães de santo que fizeram da sua religião uma forma de luta contra o racismo, que usaram os seus espaços para proteger, abrigar e preparar negros e negras para a luta. Os terreiros já foram até crime, mas ter fé nunca será crime. As religiões de matriz africana, são formas fundamentais de manter a cultura e a ancestralidade africana que a escravidão tentou destruir. A cada batida no tambor, a cada gira, a alma tocada, o legado dos nossos ancestrais se fortalece.

Generina Isidoro da Silva e Rosa Nilha Rodrigues
Araçuaí, Vale do Jequitinhonha – MG

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