Maçãs e Mangas, o Perigo da Narrativa Única

Refletindo a respeito daquele TED da Chimamanda Ngozi Adichie, em que ela fala a respeito do perigo de uma história única, podemos notar como é incrível como os simples fatos que ela narra de sua infância na Nigéria, se assemelha com a realidade de tantas outras mulheres negras.

Quando Chimamanda fala sobre as histórias americanas que ela lia, e que sempre falavam de meninas brancas, maçãs avermelhadas, e que demorou para que ela notasse que na Nigéria a história era outra, se tratava de meninas negras que chupavam mangas, e que desconheciam essas maçãs avermelhadas, eu me recordo da minha infância e para alguns pode parecer banal, mas eu sempre fui a menina que chupava mangas, pois era a fruta que nós mais tínhamos no quintal, e nunca havia comido maçã, entretanto sonhava com maçã, pois nas ilustrações dos livros didáticos, vez ou outra apareciam maçãs. Quando eu comi pela primeira vez, eu acredito que devia ter uns 8 ou 9 anos na casa de Delina, ela me deu umas duas lasquinhas e eu achei aquilo a coisa mais deliciosa da minha vida, voltei pra casa e continuei a chupar mangas, pois vivíamos do que era plantado no quintal.

Talvez isso não faça sentido para quem sempre comeu maçãs e mangas, quando bem quiseram, mas quando a Chimamanda fala do perigo dessa história única como sendo regra e usa o exemplo das maçãs e mangas, eu consigo pensar no quanto a gente exalta o que é de fora, Chimamanda apreciava as maçãs vindas nas histórias americanas, mas não tinha entendimento do quando as mangas colhidas no seu quintal na Nigéria, diziam sobre sua história, criou-se a idéia de que o que é bonito, o que é interessante, o que é saboroso é o que vem de fora, no caso dela, histórias sobre meninas brancas e maçãs avermelhadas americanas, mesmo que isso não estivesse ao seu alcance, pois a realidade dela era de uma menina negra que saboreava suculentas mangas, e que infelizmente consumia literaturas que não faziam menção à sua realidade.

Eu passei minha infância chupando manga, e sonhando com maçãs avermelhadas, afinal aquilo era bonito, chamava atenção e estava e está presente nas literaturas, na história da criação, nos romances e etc, a maçã era a história única, a história contada e repetida por todos, até mesmo por aqueles que só consomem mangas, consomem mangas e sonham com maçãs, afinal essa é a fruta que conta histórias, que ilustra todos cenários.

Bom, eu cresci e descobri o quanto amo mangas, mas não sabia explicar isso antes, pois achava que o correto era querer e correr atrás de maçãs.

As maçãs nas mãos de meninas brancas tem sido a história única, mas a realidade é que meninas negras que se lambuzam com mangas no quintal, contam a versão diferente da história, a história de quem, assim como eu, cresceu e tomou repulsa de maçãs, pois a nossa realidade foi sempre a da menina que comia manga, de todas as formas verde, com sal, azeda ou madura, a minha/nossa história foi sempre a das mangas.

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Então, dessa forma nossas narrativas sempre foram sendo remanejadas a ponto de se encaixarem no que a história oficial acreditava ser relevante contar, uma história recheada por maçãs avermelhadas e chamativas, enquanto que muitos não se davam conta de que as mangas também e eram tão importantes para o que se tem definido como sendo saudável, para o que se entende sobre diversidade.

Com isso a importância da narrativa em primeira pessoa não pode ser vista por menor, afinal uma história contada em segunda pessoa é uma história que não corresponde a totalidade, é uma história alterada e reinventada na intenção de ser audível para um público em especial, as meninas das mangas, ainda hoje seguem tendo suas narrativas sendo feitas pelas meninas das maçãs, que de forma evidentemente clara, nunca saberão o que é ser uma manga.

Por fim, gratidão Chimamanda por ter me mostrado que você e tantas outras meninas negras, assim como eu, foram e sempre serão as meninas das mangas, mesmo que tentem nos fazer engolir que nossas formas e sabores não são tão belos e ricos, a ponto de compor bonitas ceias.

Por Janaína Costa

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