AS RAÍZES VÉIAS

… homens e mulheres marcados pela memória, força e firmeza de um tempo em seus corpos e mentes

Aquecida pelo vapor e cheiro do café recém coado, ouvi magníficas histórias em Macuco, Pinheiro, Gravatá e Mata Dois, quatro comunidades quilombolas ligadas pelo tempo e pela memória, situadas no Vale do Jequitinhonha- MG.

Quilombo Macuco Foto: Calio Santos

Ao longo dos 12 anos de pesquisa, entre iniciação científica e doutorado, aprendi que tudo por ali tem uma história, nada acontece sem algum sentido. As terras por onde pisei constituem um solo de muitas lutas cotidianas, que se transformam e atravessam distintos tempos.

Aqui não importa datarmos o momento e ano exato do início da ocupação ou reconstituirmos genealogias inteiras, mas entendermos que as comunidades surgem do desejo de os antepassados constituírem um espaço seguro para moradia e plantação, onde constituiriam relações familiares, de amizade e compadrio. As sombras da escravidão não desaparecem desse passado, o que faz esses territórios serem ainda mais especiais, dotados de possibilidades de recomeço, de liberdades de criação, de tentativas de existências particulares.

Dinha Maria de Domingo(Quilombo Macuco) Foto: Jussara Costa

Todos esses antepassados são chamados de raízes véias, homens e mulheres marcados pela força e firmeza de um tempo em que os corpos, as mentes e os espíritos eram dotados de características especiais, do equilíbrio e da fortaleza daqueles que se juntam com a terra para criarem família, comunidade e permanências.

Nesse sentido, é importante dizer que um dos primeiros ensinamentos dos meus amigos das quatro comunidades é que o tempo vai e volta, o passado nunca desaparece, ele retorna. É do passado que os moradores das comunidades se alimentam, apesar das transformações que o tempo trás. As histórias, características, saberes, modos e jeitos dos que já partiram desse mundo continuam e persistem no cotidiano, nas conversas e nos conhecimentos dos seus descendentes. Assim, as raízes são vivas, são lembradas e trazidas para o presente a todo momento.

Maria Nunes (Quilombo Macuco) Foto: Jussara Costa

Os conhecimentos dos antepassados estão na culinária, nas formas de construção das casas, nos usos medicinais de plantas, nas dinâmicas das plantações, no entendimento dos ciclos da lua, nos cuidados e na criação dos filhos, nas danças e músicas, nas rezas e religiosidades, em todo modo de vida e existência no mundo. São trajetórias de pessoas que construíram essas comunidades, instituíram valores, disseminaram saberes, contaram causos e deixaram lembranças.

Foto: Jussara Costa Ano 2010

São raízes e por isso alimentam, nutrem, se fincam na terra para dar sustentação a todas suas gaias, mesmo quando estão abaixo do solo visível. Portanto, os territórios das quatro comunidades são a base de um parentesco que cresce, alarga, se espalha, cria contornos indefinidos, mas tem sua origem bem delimitada e conhecida.

As raízes véias geraram um mundão de gente, que se nutrem da força e dos conhecimentos que perduram.

Por Yara de Cássia Alves

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